Governo planeja leiloar 47 novos blocos em região altamente sensível; nenhum bloco recebeu autorização de órgãos ambientais Imagem: Ricardo Moraes/Reuters
ANP (Agência Nacional de Petróleo) faz hoje as ofertas para exploração de petróleo em 47 novos pontos na foz do rio Amazonas, na costa do Amapá, apesar de protestos de indígenas da região e recomendação do MPF (Ministério Público Federal) para suspender o processo.
O que aconteceu
Governo concede direito de explorar e produzir petróleo e gás natural em 172 novos blocos: 47 na bacia da Foz do Amazonas. A região, na costa do Amapá, é altamente sensível, com mangues, restingas e os recém-descobertos corais da Amazônia —bioma, encontrado em 2016, que ocupa uma área maior que a do estado do Rio e é habitat de espécies marinhas, muitas ainda desconhecidas.
Será o segundo leilão deste tipo no governo do presidente Lula (PT). O primeiro, que aconteceu em dezembro de 2023, ofereceu os direitos de perfuração em 602 novas áreas, incluindo 21 na bacia do rio Amazonas. Organizações de defesa do meio ambiente apelidaram o certame de "leilão do fim do mundo".
Parte desses blocos já foi oferecida outras vezes em leilões passados, mas não recebeu ofertas. Isso porque, desde 2013, 14 blocos foram arrematados na bacia da Foz do Amazonas —mas, até o momento, nenhum deles recebeu licença para operar.
Empresas têm que comprovar segurança da operação. A Petrobras tenta desde 2020 conseguir a autorização para perfurar nessa mesma bacia o bloco FZA-M-59 — no mês passado, o plano da petroleira avançou, com a autorização do Ibama para fazer simulações de como seria o resgate da fauna em um eventual vazamento. Ainda há outras etapas, porém, até a permissão para perfurar o local.
MPF e indígenas contestam
O MPF entrou com ação para suspender o novo leilão, mas o evento está mantido até o momento. Na última quinta (12), o Ministério Público Federal pediu que as áreas só sejam concedidas depois de estudos de impacto sobre o clima e sobre as comunidades indígenas que moram nas proximidades.
O órgão argumentou que tentar expandir a fronteira de exploração de petróleo em um momento crítico de emergência climática é um contrassenso. "[Isso] sinaliza uma direção oposta aos esforços globais de descarbonização e coloca em xeque a credibilidade do Brasil como ator relevante na agenda climática", dizem os procuradores na ação.
Povos indígenas do Oiapoque também protestaram. No fim de maio, o conselho de caciques da região, composto por 60 lideranças, divulgou uma carta pedindo a suspensão do licenciamento do bloco FZA-M-59 e de novos leilões na região. No documento, eles dizem que a exploração de petróleo no local "ameaça diretamente nossa sobrevivência cultural e física, além de colocar em risco um dos biomas mais sensíveis do planeta".
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Não aceitamos que interesses econômicos se sobreponham à vida de nossos parentes e ao futuro das próximas gerações.
Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque, em carta pública
A ANP, responsável pelo processo, não revelou quais são as empresas que declararam interesse nos setores para "preservar a competitividade" do leilão. Trinta e uma empresas têm autorização para participar: a maioria é brasileira, mas também há companhias de dez outros países, incluindo Catar, China, EUA, França, Noruega e Reino Unido.
A agência disse que não vai comentar as ações judiciais. "Todo o processo do 5º Ciclo de Oferta Pública de Concessão segue ainda os requisitos legais e constitucionais estabelecidos, e leva em conta os objetivos de segurança energética do país, desenvolvimento tecnológico e responsabilidade socioambiental", disse a ANP, em nota. "É importante destacar que todas as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil precisam de licença do órgão ambiental competente para serem realizadas."
Economista vê oportunidade para aumentar renda na região
"Leilão está até um pouco atrasado", afirma o economista Charles Chelala. Especialista em estudos avançados em petróleo e professor da Unifap (Universidade Federal do Amapá), ele avalia que a exploração de blocos na margem equatorial brasileira pode impulsionar o desenvolvimento local sem perder de vista a proteção ambiental.
Para Chelala, o Brasil precisa começar a pensar em maneiras de compensar a queda da produção de óleo no pré-sal. O professor afirma que a região da margem equatorial tem potencial para fornecer bastante petróleo.
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Bloco FZA-M-59, a 175 km da costa do Amapá, é destaque no leilão. Segundo Chelala, blocos leiloados anteriormente não avançaram por falta de viabilidade, mas esse bloco, incluído na nova rodada, tem atratividade maior.
Ele cita a experiência de Urucu, no Amazonas, como exemplo bem sucedido de exploração. O campo operado pela Petrobras em Coari (AM), em plena floresta, funciona há mais de 40 anos, 60% da mão de obra que atua no local já residia na região e o acesso à província petrolífera é feito somente por via aérea, para reduzir o impacto ambiental.
Outro ponto visto como vantajoso para o especialista é a possibilidade de transição energética na região. "Esses empreendimentos podem auxiliar no extrativismo sustentável e a reconstrução de áreas já desmatadas", diz Chelala. "As empresas tendem a buscar trabalhadores do próprio local para reduzir custos e rotatividade, ainda que a operação em alto-mar exija perfis técnicos específicos."
Falta de saneamento é um dos principais problemas de Coari (AM) Imagem: Ruy Baron/UOLExploração não traria desenvolvimento, diz especialista
O presidente Lula tem se posicionado a favor da extração de petróleo na região, em consonância com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O senador argumenta que os novos poços trariam riqueza para a região, enquanto Lula diz que os recursos obtidos com a exploração poderiam financiar a transição energética.
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Para Luiz Afonso Rosário, um dos coordenadores da ONG 350.org no Brasil, os riscos não valem a recompensa. "A perfuração é uma operação de altíssimo risco, que tem vazamentos constantes: se são pequenos, médios ou grandes vazamentos, é outra conversa, mas vaza sempre. Nessa área da Foz do Amazonas, tem época em que até navegar não é recomendado por causa dos ventos, da corrente e da maré, a visibilidade fica prejudicada, e querem explorar petróleo?", questionou.
Ele questionou também a quem interessa a perfuração de novos poços de petróleo na região. "Estamos indo para um caminho que vai beneficiar quem? O povo brasileiro, com certeza, não. A indústria do petróleo subsiste em razão dos subsídios do governo. Se tivéssemos parte desses subsídios investidos nas comunidades da região, teríamos desenvolvimento -talvez de forma mais lenta, mas mais segura e inclusiva", declarou.
Rosário lembrou que esse discurso é o mesmo de quando descobriram petróleo nas cidades amazonenses de Tefé e Coari na década de 1980. "Venderam a mentira deslavada de que essas cidades no médio Solimões se tornariam a nova Dubai. Passados quase 40 anos, temos um grande bolsão de pobreza lá, e assim continuará sendo", falou o especialista.
A reportagem do UOL esteve lá, e verificou que os royalties não sanaram os problemas estruturais da região. Há falta generalizada de infraestrutura, ausência de saneamento básico, problemas graves de segurança pública e precariedade em serviços de saúde e educação.
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